Constituição: o que é isso e qual a sua utilidade?

Constituições são projetos para melhorar a sociedade, que são mais fáceis de entender com um pouquinho de História

Publicado em 19 de dezembro de 2021.

As constituições modernas apareceram no Iluminismo europeu. Muito antes disso já tinham surgido alguns documentos com características semelhantes às constituições modernas, como as Chartae medievais (a inglesa a mais famosa), as leges imperiais romanas ou até mesmo os Dez Mandamentos israelenses. Mas constituição, mesmo, com todo o seu significado, é um tipo de ato jurídico nascido com o Iluminismo.

No final da Idade Média foi surgindo a ideia de aplicar a racionalidade e o método para explicar as coisas. Os exemplos foram se somando: Copérnico (1473/1543) estabeleceu que a Terra se move ao redor do sol (mesmo naquela época já não dava para negar que ela é redonda), Maquiavel (1469/1527) parou de escrever sobre como a política deveria ser e começou a descrever como ela era de verdade, gente como Leonardo DaVinci (1452/1519) rompeu tabus e começou a estudar a anatomia em corpos de verdade… Até que apareceu o primeiro dessa lista que foi incontestavelmente um iluminista, Sir. Isaac Newton (1643/1727), que redesenhou a matemática para inventar a física. Essa exuberância de explicações desafiava as tradições medievais e mostrava onde elas não conseguiam resolver problemas práticos.

Uma explicação bem feita é essencial para a gente prever o que vai acontecer e fazer planos melhores. Além disso, quando a gente compreende bem as causas de algum acontecimento, pode até modificar estes fatores e conseguir resultados diferentes. Saber como as coisas funcionam é muito útil para todo mundo, na prática do nosso dia-a-dia. Então as superstições medievais foram sendo abandonadas e as pessoas que ainda as defendiam perdiam as batalhas porque não conseguiam planejar com tanta eficácia e nem resolver tão bem os seus problemas.

Aquelas tradições medievais tinham uma outra função, que era a de fundamentar o jeito das pessoas viverem. Elas diziam o que as pessoas podiam fazer, o que era proibido, quando elas deveriam se comportar desse jeito ou daquele, diziam quem podia mandar, quem devia obedecer e que tipo de recompensa ou de castigo eram justos. As tradições davam às pessoas a segurança a respeito da ética, ou seja, das normas a respeito de como viver na sociedade. Então ninguém imaginava que elas podiam se organizar de qualquer outro jeito, que não fosse o jeito tradicional. As tradições bloqueavam qualquer tipo de criatividade na economia ou na arquitetura da sociedade.

Mas o Iluminismo foi uma onda intelectual que rompeu todas as certezas das tradições medievais, as substituindo pelas suas próprias certezas: a racionalidade e o método no pensamento. Com a ciência e as suas explicações práticas, ele criou a ideia de que todo mundo pode ter uma vida melhor. Uma ideia verdadeiramente revolucionária. O servo e a serva medievais não pensavam nisso, porque a tradição dizia para continuarem fazendo as coisas igualzinho seus pais e avós faziam. Não tinham esperança de que os reis fizessem mudanças para eles viverem melhor, inclusive porque não passava pela sua cabeça que podia ter qualquer outra vida. Depois do Iluminismo é que as pessoas começaram a julgar os reis pelo bem que faziam para o povo. Então elas começaram a pensar inclusive que não precisavam mais dos reis, porque podiam tentar se organizar e criar, elas mesmas, jeitos de viver que fossem melhores para todo mundo.

As constituições modernas são projetos para organizar a sociedade e o mercado. No lugar das tradições medievais, fundadas no passado, entrou a noção de projeto, que é fundado no futuro. Ou seja, firmou-se a noção de que as pessoas podiam planejar e viver melhor que no passado. Mas a desigualdade de poder entre as classes sociais era gigantesca e os trabalhadores estavam muito desorganizados, então as primeiras constituições foram feitas para os muito ricos e quase não previam direitos para os mais pobres. Depois vieram outras constituições, que fizeram reorganizações ainda mais radicais da sociedade, procurando aumentar a igualdade econômica ou inventando outras ordens políticas. E mais outras constituições, como nas socialdemocracias europeias do século passado, que tentaram conciliar o livre mercado com direitos que dessem uma vida melhor para todos, criando serviços públicos para educação, saúde, segurança, previdência social, transporte e cultura, por exemplo.

A nossa Constituição da República Federativa do Brasil também estabelece um projeto para a sociedade e o mercado. Os objetivos estão no seu artigo 3º: desenvolvimento econômico e progresso social. Ela quer que a gente lute para encontrar maneiras mais inteligentes para de produzir e distribuir bens e serviços, de forma que seja sustentável para a natureza, a produção de tecnologias e a própria sociedade (os detalhes ficam nos Títulos VII e VIII). E ela quer que a gente lute para o progresso da nossa sociedade, criando melhores condições materiais para todos, sem preconceitos e com respeito à dignidade de cada um (cons os detalhes nos Títulos II e VIII). Ela é um projeto e um caminho para a gente viver melhor, como são as melhores constituições da atualidade.


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